Fósseis revelam informações fantásticas sobre um dinossauro Brasileiro


  • 21 de Setembro de 2020

Novamente, a Universidade do Contestado integra importante descoberta científica na área da paleontologia.

Os pesquisadores do Museu Nacional/UFRJ, Alexander Kellner, Arthur Brum, Geovane Souza, Juliana Sayão, Maria Elizabeth Zucolotto e Marina Soares, em parceria com o pesquisador Luiz Carlos Weinschütz, do Centro Paleontológico da Universidade do Contestado, apresentaram os dados sobre o crescimento ósseo da espécie de dinossauro brasileiro Vespersaurus paranaensis. Vespersaurus é uma espécie de dinossauro de pequeno porte, com 1,50 m de comprimento que viveu durante o Cretáceo Superior (~90-70 milhões), onde hoje é o município de Cruzeiro do Oeste, Noroeste do Paraná.

 

"O novo estudo traz, de maneira inédita, uma análise da microestrutura óssea fossilizada (osteohistologia) de vários indivíduos de uma mesma espécie de dinossauro extinto e brasileiro, no caso o Vespersaurus paranaensis", comenta o aluno de doutorado do Programa de Pós-graduação em Zoologia (PPGZoo), Geovane Souza, primeiro autor do trabalho. "A qualidade excepcional de preservação e a grande quantidade dos fósseis pertencentes a Vespersaurus permitiram que fosse analisada uma quantidade expressiva de ossos, a maior amostragem histológica para um dinossauro brasileiro até o momento. Isso permitiu que os pesquisadores vislumbrassem um panorama mais completo e confiável sobre como esses animais se desenvolviam, qual eram suas taxas de crescimento e quanto tempo levavam para se tornarem adultos", complementa o pesquisador.

Para o geólogo Dr. Luiz Carlos Weinschütz (CENPALEO/Universidade do Contestado), coordenador dos trabalhos de campo “nesta época, parte do centro-oeste, sudeste e sul do Brasil formavam um grande deserto (Deserto Caiuá), onde esta espécie habitava o entorno de áreas úmidas, possivelmente um oásis, convivendo com outras espécies, como lagarto (Gueragama sulamericana) e de duas espécies de 2 pterossauros (Caiuajara dobruskii e Keresdrakon vilsoni) descritas para o mesmo local, fazendo dessa localidade um sítio fossilífero muito interessante para a paleontologia mundial”. Estudo da anatomia, a técnica da osteohistologia empregada no estudo, é relativamente destrutiva, pois consiste na retirada de fragmentos do osso, através de cortes com serras elétricas. As secções então são polidas até adquirirem translucidez suficiente para permitir a visualização em microscópio óptico. A natureza destrutiva desta técnica, aliada à raridade da preservação de um fóssil, impede que muitas instituições pelo mundo concedam a autorização aos paleontólogos para aplicá-la. "Entretanto, nesse caso, a peculiar abundância dos restos fossilizados do V. paranaensis permitiram que fossem destinados alguns ossos para osteohistologia, sem que houvesse a perda de informações morfológicas da espécie" , esclarece Weinschütz. "Através da contagem das marcas de crescimento contidas nos ossos (semelhantes aos anéis do tronco de uma árvore) apontam que os vesperssauros poderiam viver pouco mais de uma década (13 - 14 anos), mas se tornavam aptos para reprodução (ou seja, atingiriam a maturidade sexual) por volta dos 3 - 5 anos de idade. Isso significa que a maturidade sexual do V. paranaensis ocorreria antes do indivíduo completar seu crescimento" , enfatiza Geovane.

Além disso, foi observada a presença de um tipo de tecido ósseo incomum para os dinossauros. O tecido em questão, conhecido na literatura como paralelo-fibroso, é caracterizado por um alto grau de organização das fibras de colágeno contida nos ossos, o que demanda mais tempo para sua formação ao longo do crescimento do animal. Logo, esse tipo ósseo sugere que V. paranaensis possuía taxas de crescimento relativamente mais lentas do que o observado em outros dinossauros, aves e mamíferos. Isso faz com que o crescimento do Vespersaurus se assemelhe mais aos reptilianos, como jacarés e crocodilos, do que aos demais dinossauros. Comparando esses resultados aos estudos conduzidos com outras espécies, a hipótese é de que a desaceleração do crescimento em V. paranaensis (inferido com base na presença do tecido ósseo paralelo-fibroso) estaria relacionado a miniaturização do seu tamanho corpóreo. Um processo similar que teria também ocorrido na origem evolutiva das aves, as quais representam um tipo particular de dinossauro e a única linhagem deles a sobreviver da extinção no final da Era Mesozoica. Nas espécies fósseis que remontam a aurora da evolução das aves, a presença de um tecido ósseo de crescimento lento era comum, mas só nas linhagens mais recentes, o  padrão muda para o crescimento extremamente acelerado característico das aves vivas hoje. Ainda não se descarta a possibilidade de que a redução da taxa de crescimento do V. paranaensis seja uma adaptação ao ambiente árido que a espécie habitava. Talvez um crescimento lento seria vantajoso para animais que viviam em ambientes com limitação sazonal na disponibilidade de alimentos, como um deserto. Apesar dos dinossauros fascinarem tanto cientistas quanto o público leigo, muitas perguntas sobre seu crescimento, metabolismo e anatomia ainda permanecem sem respostas. "Compreender questões dessa natureza é algo fundamental para que entendamos quais os mecanismos e estratégias de sobrevivência existiam no passado do planeta, sobretudo de espécies como os dinossauros, animais que outrora foram componentes principais das faunas terrestres, que viveram em um mundo sobre constante mudança climática, mas que enfrentaram uma drástica redução em sua diversidade na extinção em massa que marcou o final do Mesozoico" , comenta Alexander Kellner, um dos autores do trabalho e diretor do Museu Nacional/UFRJ. Além disso, a pesquisa surge em momento oportuno, visto que grande parte dela foi conduzida no Museu Nacional/UFRJ, instituição que passou por um trágico incêndio, em 2018, mas que, mesmo assim, vem se reerguendo e reforçando a capacidade de produzir ciência de ponta e de qualidade. Não menos importante, os resultados são oriundos da pesquisa de mestrado do primeiro autor Geovane Alves de Souza, na época contemplado pela bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). "Isso ressalta a importância da manutenção das bolsas de pós-graduação das universidades públicas brasileiras, as quase vem sofrendo contingenciamentos constantes por parte dos gestores" - ressalta o diretor do Museu Nacional.